Guia prático : Regime tributário para Startups
A escolha do regime tributário adequado é uma das decisões mais importantes para o sucesso financeiro de uma startup. Não se trata apenas de cumprir obrigações fiscais, mas de estruturar estrategicamente o negócio para otimizar a carga tributária e maximizar os recursos disponíveis para proporcionar a superação dos desafios iniciais e um crescimento mais eficiente.
Muitos empreendedores iniciam seus negócios optando automaticamente pelo Simples Nacional, atraídos pela facilidade na apuração do imposto, pagamento simplificado através de guia única (DAS – Documento de Arrecadação do Simples Nacional) e aparente redução de carga tributária de acordo com o anexo em que a atividade estiver enquadrada. No entanto, essa escolha nem sempre é a mais vantajosa. Cada regime tributário possui características específicas que podem ser mais ou menos adequadas dependendo do modelo de negócio, estrutura de custos, projeção de faturamento e estratégia de longo prazo da startup.
Neste artigo, exploraremos os principais regimes tributários disponíveis para startups no Brasil – Simples Nacional, Lucro Presumido e Lucro Real –, além do Inova Simples 1 , regime especial simplificado para formalização de empresas de inovação no Brasil. Analisaremos as vantagens e desvantagens de cada um, apresentaremos um quadro comparativo para facilitar a compreensão e abordaremos casos específicos, como a tributação de marketplaces e o impacto da reforma tributária.
O Simples Nacional foi criado como parte da Lei Complementar nº 123 / 2006 para simplificar a tributação de micro e pequenas empresas, unificando diversos tributos em uma única guia de pagamento (DAS). Este regime é frequentemente a primeira opção considerada por startups em estágio inicial.
Características principais :
Anexos do Simples Nacional
Alíquota mínima : 6,00% (faixa de Receita Bruta acumulada nos últimos 12 de até R$ 180.000,00)
Alíquota mínima : 4,50% (faixa de Receita Bruta acumulada nos últimos 12 de até R$ 180.000,00)
Alíquota mínima : 15,50% (faixa de Receita Bruta acumulada nos últimos 12 de até R$ 180.000,00)
Um conceito fundamental para startups prestadoras de serviço é o “Fator R”, que corresponde à relação entre a folha de pagamento (incluindo encargos) e a receita bruta dos últimos 12 meses. Quando este fator é igual ou superior a 28%, empresas que normalmente se enquadrariam nos Anexos IV ou V podem migrar para o Anexo III, com alíquotas significativamente menores.
Cálculo do Fator R :
Fator R = Massa Salarial ÷ Receita Bruta dos últimos 12 meses
Onde a Massa Salarial inclui remunerações pagas a pessoas físicas pelo trabalho, CPP, FGTS e pró-labore (Importante notar que o colaborador não precisa necessariamente ter vínculo CLT, incluindo também pagamentos para pessoas físicas que emitem RPA. No Fator R não é considerada a distribuição de lucros e pagamentos a pessoas jurídicas).
O Lucro Presumido é um regime de tributação intermediário, baseado na “presunção” de uma margem de lucro pré-definida pela legislação, que varia conforme a atividade da empresa. Este regime pode ser vantajoso para startups que possuem margens reais superiores às presumidas pela legislação.
Características principais :
Principais percentuais de presunção :
Tributos e alíquotas :
Tributos recolhidos mensalmente :
Tributos recolhidos trimestralmente :
O Lucro Real é o regime tributário baseado no lucro efetivamente obtido pela empresa, determinado a partir do lucro contábil ajustado pelas adições, exclusões e compensações previstas na legislação fiscal. Este regime é obrigatório para empresas com faturamento anual superior a R$ 78 milhões, mas pode ser vantajoso para startups mesmo com faturamento inferior, especialmente aquelas que operam com margens reduzidas ou prejuízos operacionais.
Características principais :
Tributos e alíquotas :
Despesas dedutíveis :
O Lucro Real permite a dedução de diversas despesas operacionais, como :
Programa Inova Simples e a Empresa Simples de Inovação
Para compreender adequadamente este tópico, é fundamental esclarecer que o Inova Simples não é um regime tributário, mas sim um programa governamental que facilita a criação de um tipo societário específico : a Empresa Simples de Inovação.
O Programa Inova Simples é um regime especial simplificado criado pela Lei Complementar nº 167 / 2019, especificamente para empresas de inovação denominadas “Startups”. Foi desenvolvido para facilitar a abertura, o desenvolvimento e o encerramento de startups, reduzindo a burocracia e os custos envolvidos no processo.
Possui como limitação o faturamento do Microempreendedor Individual (R$ 81.000,00 em maio de 2025) e permite que a Empresa Simples de Inovação criada através deste programa opte pelo regime tributário do Simples Nacional. Assim, o programa Inova Simples funciona como um facilitador jurídico-administrativo para criar um tipo específico de empresa, que depois escolherá seu regime tributário dentro das opções disponíveis.
A Empresa Simples de Inovação é constituída sem a celebração de um contrato social e sem que haja inscrição de seus atos constitutivos em cartório de registro civil de pessoas jurídicas ou em Junta Comercial, razão pela qual não possui personalidade jurídica e pode ser considerada uma sociedade em comum (art. 986, do Código Civil) quando possui mais de um sócio, ou um empresário individual quando possui apenas um.
Ponto importante é que, diferentemente das sociedades Limitadas e das Sociedades Anônimas, os sócios da Empresa Simples de Inovação respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas pela Empresa (art. 990 do Código Civil).
Características principais :
Quadro Comparativo dos Regimes Tributários
Limite de faturamento Até R$ 4,8 milhões / ano Até R$ 78 milhões / ano Sem limite
Base de cálculo Receita bruta com alíquotas progressivas Percentual presumido sobre a receita Lucro contábil ajustado
Tributos abrangidos IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, IPI, ICMS, ISS, CPP Recolhidos separadamente Recolhidos separadamente
Complexidade administrativa Baixa Média Alta
Dedução de despesas Não permite (tributação sobre receita bruta) Limitada Ampla
Compensação de prejuízos Não permite Não permite Permite (até 30% do lucro)
Ideal para Pequenos negócios com faturamento baixo ou médio Empresas com margem real superior à presumida Empresas com altos custos operacionais, prejuízos ou margem líquida baixa
Créditos tributários Não permite aproveitamento PIS / COFINS cumulativos PIS / COFINS não-cumulativos
Distribuição de lucros Isenta de IR Isenta de IR (se distribuição compatível com o lucro presumido) Isenta de IR (se distribuição compatível com o lucro apurado)
Análise Prática : Tributação de Marketplaces
Para ilustrar de forma concreta como a escolha do regime tributário impacta diretamente o resultado financeiro de uma startup, vamos analisar um caso específico muito comum : os marketplaces. Este exemplo prático demonstrará as diferenças reais entre os regimes e a importância de uma estruturação adequada.
Os marketplaces representam um modelo de negócio cada vez mais comum no ecossistema de startups. Entender sua tributação é essencial para evitar problemas fiscais e garantir a viabilidade financeira da operação.
Características tributárias dos marketplaces
A importância do split de pagamento
O split de pagamento (ou pagamento dividido) é uma ferramenta tecnológica fundamental para marketplaces, pois permite a separação automática das receitas no momento da transação. Funciona como um mecanismo que divide automaticamente o valor pago pelo cliente : uma parte vai diretamente para o vendedor / prestador de serviços e outra parte (a comissão) vai para o marketplace. Esta separação acontece de forma instantânea e automática no sistema de pagamento, sem que o valor total transite pela conta do marketplace :
Benefícios fiscais do split de pagamento
Segregação tributária adequada : Evita a tributação sobre a totalidade dos valores transacionados, que não representam receita efetiva do marketplace. Assim, a tributação incidirá exclusivamente sobre a comissão do marketplace, evitando, assim, bitributação.
Redução de risco fiscal :
Clareza para todos os participantes (marketplace, vendedores e fisco)
Startups e a Reforma Tributária : Impactos na Estratégia Tributária
Com a aprovação da reforma tributária, surge uma questão fundamental para empreendedores : como essas mudanças estruturais afetarão a estratégia tributária das startups brasileiras? Compreender esses impactos desde já é essencial para o planejamento de longo prazo.
A Reforma Tributária, implementada pela Emenda Constitucional nº 132 / 2023, representa uma das maiores mudanças no sistema tributário brasileiro das últimas décadas. Embora a implementação completa esteja prevista para ocorrer gradualmente até 2033, startups precisam compreender desde já seus potenciais impactos.
Principais mudanças que afetarão as startups
IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) : De competência de estados e municípios
Simplificação devido à unificação do ICMS / ISS
Benefício da não-cumulatividade plena
Possíveis alíquotas reduzidas ou isenções
Planejamento e preparação
A reforma tributária torna ainda mais crucial o planejamento tributário adequado para startups. Algumas recomendações :
A importância da escolha correta do regime tributário
A escolha do regime tributário adequado é uma decisão estratégica que deve ser baseada em diversos fatores, não apenas na aparente simplicidade ou em alíquotas nominais. É fundamental analisar :
Fase de desenvolvimento da empresa
Projeções de crescimento
Um erro comum entre empreendedores é presumir que o Simples Nacional é sempre a opção mais econômica. No entanto :
Conclusão
A escolha do regime tributário ideal para uma startup vai muito além da aparente simplicidade ou das alíquotas nominais. É uma decisão estratégica que deve ser baseada em uma análise detalhada do modelo de negócio, estrutura de custos, projeções de crescimento e objetivos de longo prazo.
O planejamento tributário adequado pode representar uma vantagem competitiva significativa, liberando recursos para investimento em inovação, talentos e expansão. Em contrapartida, uma escolha equivocada pode comprometer a saúde financeira e até mesmo a viabilidade do negócio.
Com a chegada da Reforma Tributária, esta análise torna-se ainda mais relevante, exigindo constante atualização e revisão estratégica. Recomenda-se que startups busquem assessoria especializada para avaliar periodicamente seu enquadramento tributário, especialmente em momentos de transição ou crescimento acelerado.
Lembre-se : não existe um regime tributário universalmente ideal para todas as startups. A melhor opção será sempre aquela que se alinha às características específicas do seu negócio, potencializando sua capacidade de crescimento e consolidação no mercado.
Para maiores informações e publicações relacionadas com o ecossistema de startups, empresas de base tecnológica e da indústria de games, fique conectado no site e nas redes sociais da Caputo Duarte Advogados.
Referências
1 É importante esclarecer que o Inova Simples não é um regime tributário propriamente dito, mas sim um programa criado pelo Governo para facilitar a criação de um tipo societário específico chamado Empresa Simples de Inovação, que pode optar pelos regimes tributários tradicionais (Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real).
2Obrigações acessórias são deveres instrumentais previstos na legislação tributária para facilitar a arrecadação e fiscalização dos tributos, como declarações, escriturações e controles específicos. Diferem das obrigações principais, que são o pagamento efetivo dos tributos (Art. 113, CTN). Nos termos do Código Tributário Nacional, art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
3 Startups em fase de escala são aquelas que já validaram seu modelo de negócio e buscam crescimento acelerado, geralmente com faturamento crescente e necessidade de maiores investimentos em infraestrutura, equipe e expansão de mercado.
4Se uma empresa teve prejuízo nos Anos 1 e 2 tributando pelo Presumido, não poderá aproveitar esses prejuízos no Ano 3 quando migrar para o Real. A compensação só vale para prejuízos acumulados já no regime de Lucro Real.
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